Escrito por Dra Angelica Ferrari | @angelicaferrariv
O estresse é um dos grandes protagonistas dos desafios de saúde contemporâneos. Sua persistência está diretamente ligada ao aumento da dor crônica, distúrbios somatoemocionais, disfunções musculoesqueléticas e ao agravamento de quadros como insônia, ansiedade e fadiga. Fisioterapeutas e profissionais da saúde têm buscado estratégias terapêuticas que ajudem a regular o sistema nervoso e restaurar o equilíbrio funcional do corpo.
Nesse contexto, a osteopatia se destaca como uma abordagem manual que atua não apenas na biomecânica, mas também sobre sistemas regulatórios fundamentais – com destaque para o sistema nervoso autônomo (SNA).
Evidências clínicas
Dois artigos publicados no European Journal of Osteopathy (2022) investigaram os efeitos de intervenções osteopáticas em diferentes contextos relacionados ao estresse. Um dos estudos analisou a influência da manipulação osteopática sobre parâmetros objetivos de ativação autonômica em adultos saudáveis. Os autores aplicaram técnicas de alta velocidade (HVLA) na coluna torácica e mensuraram os efeitos por meio da variabilidade da frequência cardíaca (HRV), um marcador amplamente reconhecido da regulação autonômica.
Os resultados mostraram aumento da modulação parassimpática e redução da dominância simpática em curto prazo após a sessão, indicando que a osteopatia pode atuar como um recurso direto na regulação do eixo autonômico – fundamental na resposta adaptativa ao estresse.
Outro estudo envolveu um grupo de pacientes com sintomas funcionais associados ao estresse (como fadiga crônica, ansiedade leve e insônia). Após um protocolo de três sessões com técnicas de normalização craniossacral, liberação diafragmática e manipulações vertebrais suaves, observou-se melhora na qualidade do sono, níveis de energia, respiração e no estado emocional geral.
Mecanismos neurofisiológicos
O efeito da osteopatia sobre o estresse vai além da manipulação estrutural. Segundo autores como Bordoni et al. (2020), o toque manual terapêutico pode modular vias neurofisiológicas envolvidas na dor, na ansiedade e no comportamento emocional. A estimulação de mecanorreceptores de baixo limiar durante a aplicação de técnicas manuais influencia núcleos do tronco encefálico e estruturas límbicas como a amígdala, com impacto direto sobre o sistema nervoso autônomo, endócrino e imunológico.
Além disso, estudos com imagem funcional e neurociência clínica sugerem que técnicas como a liberação do diafragma, mobilizações cranianas e manipulações vertebrais não só afetam tecidos musculoesqueléticos, mas também promovem mudanças nos circuitos de processamento central da dor e do estresse, influenciando a percepção corporal, o tônus autonômico e a homeostase interna.
Esse impacto se alinha ao conceito de interocepção – a capacidade do corpo perceber seus estados internos –, que é fundamental para o equilíbrio emocional e fisiológico.
Aplicabilidade clínica
Para o fisioterapeuta que busca atuar de forma mais integrativa, compreender o papel da osteopatia na modulação do estresse amplia significativamente suas possibilidades terapêuticas. Veja algumas abordagens com evidência de benefício:
- Técnicas de liberação do diafragma: melhoram a mecânica ventilatória e ativam o sistema parassimpático.
- Normalização craniossacral: estimula o relaxamento profundo e regula o ritmo craniano, favorecendo o equilíbrio autonômico.
- Manipulações suaves na coluna torácica e cervical alta: modulam aferências sensoriais e influenciam vias de controle autonômico.
- Abordagem somatoemocional (quando realizada com formação adequada): pode contribuir para desbloquear padrões corporais associados ao estresse.
A escuta ativa, o toque consciente e o raciocínio clínico sensível tornam-se elementos-chave na construção de um cuidado que considera tanto as disfunções físicas quanto o estado emocional do paciente.
Conclusão
A osteopatia, quando aplicada com critério e baseada em evidências, pode ser uma aliada poderosa no manejo das manifestações físicas do estresse. Ao atuar sobre o sistema nervoso autônomo, promover regulação neurofisiológica e restaurar a integração corpo-mente, ela amplia os recursos do fisioterapeuta para oferecer um cuidado mais completo, centrado no paciente.
Em um cenário em que o estresse afeta milhões de pessoas, investir em estratégias que acolham o corpo e o sistema nervoso como um todo é uma necessidade clínica e ética. A osteopatia nos convida a enxergar além da lesão, buscando a causa funcional por trás dos sintomas – e promovendo bem-estar, autorregulação e presença.
Referências
- European Journal of Osteopathy. Osteopathic Techniques and Stress-Related Autonomic Modulation. Vol. 17, No. 2, 2022.
- European Journal of Osteopathy. Manual Interventions in Patients with Stress-Related Symptoms: A Clinical Approach. Vol. 17, No. 3, 2022.
- Bordoni B, Marelli F, Morabito B. The mechanisms of manual therapy in the treatment of musculoskeletal pain: a neurophysiological perspective. J Pain Res. 2020;13:1121–1129.
- D’Alessandro G, Cerritelli F. Touch for the regulation of stress: from basic research to clinical application. Front Psychol. 2019;10:2660.