A dor lombar crônica é uma das condições mais incapacitantes em todo o mundo, representando um desafio significativo para pacientes e profissionais de saúde. Entre suas várias causas, a dor lombar discogênica, originada no disco intervertebral, é particularmente complexa. Um conhecimento anatômico aprofundado é fundamental para um tratamento eficaz, e estudos recentes têm destacado o papel crucial de uma estrutura nervosa muitas vezes subestimada: o nervo sinuvertebral.
Este artigo, destinado a fisioterapeutas, osteopatas e outros profissionais da saúde, explora a anatomia e a relevância clínica do nervo sinuvertebral, com base em pesquisas científicas recentes, incluindo o estudo de Quinones et al. (2021), e discute como essa compreensão pode aprimorar a prática clínica e os resultados para os pacientes.
O que é o Nervo Sinuvertebral?
O nervo sinuvertebral (NSV), também conhecido como nervo recorrente de Luschka, é uma pequena, mas importante, estrutura nervosa que inerva vários componentes da coluna vertebral. Descrito pela primeira vez no século XIX por von Luschka, este nervo tem um curso recorrente, ou seja, ele retorna ao canal vertebral após sua origem, para inervar estruturas como o ligamento longitudinal posterior, a dura-máter, os vasos sanguíneos e, crucialmente, as camadas externas do ânulo fibroso do disco intervertebral [1, 2].
Uma pesquisa recente de Quinones et al. (2021) [1] trouxe clareza sobre a sua origem. Em 100% dos casos estudados, o NSV demonstrou ter uma origem dupla: uma raiz somática (sensitiva) vinda do nervo espinhal e uma raiz simpática (autonômica) proveniente dos ramos comunicantes do tronco simpático. Essa dupla natureza, somática e autonômica, confere ao nervo a capacidade de transmitir diferentes tipos de estímulos, incluindo a dor (nocicepção).
A Conexão entre o Nervo Sinuvertebral e a Dor Lombar Discogênica
A dor discogênica ocorre quando há degeneração ou lesão do disco intervertebral, levando à liberação de mediadores inflamatórios que sensibilizam as terminações nervosas presentes no ânulo fibroso. O nervo sinuvertebral é a principal via de inervação da porção posterior do disco, a região mais comumente afetada por fissuras e hérnias. Portanto, a irritação química ou mecânica do NSV é um mecanismo central na geração da dor lombar de origem discal [2, 3].
É importante notar que, devido à sua inervação, a dor mediada pelo NSV é frequentemente descrita como profunda, difusa e de difícil localização, um desafio diagnóstico comum na prática clínica.
O que a Ciência nos Diz: Principais Achados de Quinones et al. (2021)
O estudo de Quinones e colaboradores [1], publicado no European Spine Journal, forneceu um mapa anatômico detalhado do nervo sinuvertebral lombar, com implicações diretas para o tratamento da dor lombar discogênica. Abaixo, uma tabela resume os principais achados:
| Característica Anatômica | Achados do Estudo (Quinones et al., 2021) | Implicação Clínica |
| Origem | Dupla em 100% dos casos: raiz somática do nervo espinhal e raiz simpática do tronco simpático. | A dor pode ter componentes somáticos e simpáticos, explicando a natureza complexa e difusa da dor discogênica. |
| Curso do Nervo | Predominantemente ascendente (72,1% dos casos), mas também com padrões mistos (ascendente e descendente) e descendentes. | A inervação de um único disco pode envolver nervos de múltiplos níveis, o que justifica a dor referida e a necessidade de abordagens terapêuticas em mais de um segmento. |
| Conexões | Conexões ipsilaterais com outros nervos sinuvertebrais em 27,9% dos casos. | A existência de uma rede nervosa (plexo) pode explicar a disseminação da dor e a dificuldade em obter alívio com tratamentos muito localizados. |
| Distribuição | Inerva o ligamento longitudinal posterior, dura-máter, vasos sanguíneos, ânulo fibroso e corpos vertebrais. | A ampla distribuição do nervo explica a variedade de sintomas que podem acompanhar a dor discogênica. |
Com base nesses achados, os autores sugerem que, para procedimentos de bloqueio, o alvo terapêutico deveria ser a incisura vertebral inferior de dois segmentos adjacentes, a fim de abranger a complexa distribuição do nervo.
Implicações Clínicas para Fisioterapeutas e Osteopatas
O conhecimento aprofundado sobre o nervo sinuvertebral abre novas perspectivas para a avaliação e o tratamento da dor lombar discogênica. Para os fisioterapeutas e osteopatas, isso se traduz em:
- Raciocínio Clínico Aprimorado: Compreender que a dor lombar pode ser mediada por essa estrutura ajuda a diferenciar a dor discogênica de outras fontes de dor lombar, como a dor facetária (que não é inervada pelo NSV) [2]. Isso permite um diagnóstico mais preciso e um plano de tratamento mais direcionado.
- Valorização de Técnicas Neuromoduladoras: Técnicas de terapia manual que visam modular o sistema nervoso, como mobilizações neurais e manipulações vertebrais, podem ter um efeito direto sobre a sensibilização do nervo sinuvertebral, contribuindo para o alívio da dor.
- Compreensão de Procedimentos Médicos Invasivos: Fisioterapeutas frequentemente trabalham com pacientes que se submetem a procedimentos médicos para dor crônica. O conhecimento sobre o NSV permite entender a lógica por trás de intervenções como:
- Bloqueio do Nervo Sinuvertebral (BNSV): Um estudo de Liu et al. (2022) [3] demonstrou que o BNSV é um tratamento minimamente invasivo, rápido e de baixo custo que proporciona alívio da dor a curto prazo e melhora da função física em pacientes com dor lombar discogênica.
- Ablação por Radiofrequência (RFA): Este procedimento utiliza calor para desativar o nervo sinuvertebral, interrompendo os sinais de dor. Estudos mostram que a RFA do NSV, por vezes combinada com a ablação do nervo basivertebral, é uma intervenção promissora para o controle da dor lombar crônica discogênica [4, 5].
Conclusão
O nervo sinuvertebral, apesar de seu pequeno tamanho, desempenha um papel fundamental na fisiopatologia da dor lombar discogênica. As pesquisas recentes, como a de Quinones et al. (2021), fornecem um roteiro anatômico valioso que reforça a importância de considerar essa estrutura na prática clínica. Para fisioterapeutas e osteopatas, a compreensão da anatomia e da função do nervo sinuvertebral não é apenas um conhecimento acadêmico, mas uma ferramenta poderosa para aprimorar o diagnóstico, otimizar o tratamento e, em última análise, melhorar a qualidade de vida dos pacientes que sofrem de dor lombar crônica.
Referências
- Quinones, S., Konschake, M., Aguilar, L. L., et al. (2021). Clinical anatomy of the lumbar sinuvertebral nerve with regard to discogenic low back pain and review of literature. European Spine Journal, 30(8), 2295–2305. https://doi.org/10.1007/s00586-021-06886-1
- Shayota, B., Wong, T. L., Fru, D., et al. (2019). A comprehensive review of the sinuvertebral nerve with clinical applications. Anatomy & Cell Biology, 52(2), 128–133. https://doi.org/10.5115/acb.2019.52.2.128
- Liu, Z., Ma, R., Fan, C., et al. (2022). Sinuvertebral nerve block treats discogenic low back pain: a retrospective cohort study. Annals of Translational Medicine, 10(22), 1219. https://doi.org/10.21037/atm-22-5297
- Wang, L., Lu, J., Wang, H., et al. (2025). Radiofrequency ablation of the sinuvertebral nerve for patients with discogenic low back pain following lumbar interbody fusion: a case series study. Frontiers in Neurology, 16, 1539971. https://doi.org/10.3389/fneur.2025.1539971
- Wu, P. H., Kim, H. S., Jang, I. T. (2025). Endoscopic Spine Surgery Treatment of Lower Back Pain. Journal of Minimally Invasive Spine Surgery and Technique, 10(1), 1-10. https://www.jmisst.org/journal/view.php?number=298