Osteopatia e Refluxo Gastroesofágico: Evidências, Mecanismos e Possibilidades Clínicas

Escrito por Dra. Angélica Ferrari | @angelicaferrariv

Introdução

O refluxo gastroesofágico é uma das queixas digestivas mais comuns na prática clínica, afetando tanto adultos quanto crianças. Caracterizado pelo retorno do conteúdo gástrico para o esôfago, pode causar sintomas como azia, regurgitação, dor torácica e, em casos mais graves, complicações respiratórias e alterações na qualidade de vida.

Embora o tratamento farmacológico e as mudanças no estilo de vida sejam as abordagens convencionais mais utilizadas, cresce o interesse por terapias complementares que auxiliem no manejo dos sintomas. Entre essas abordagens, a osteopatia tem chamado a atenção por propor técnicas manuais capazes de atuar na mobilidade visceral, na função do diafragma e na regulação do sistema nervoso autônomo.

O que dizem os estudos sobre osteopatia e refluxo

Os artigos analisados trazem contribuições relevantes:

  • Gamberini et al. (2020): aplicaram técnicas de mobilização visceral no estômago e hiato esofágico, associadas a liberação diafragmática. Os pacientes apresentaram redução significativa na frequência e intensidade dos sintomas de refluxo, além de melhora da qualidade do sono.
  • Posadzki et al. (2013): investigaram crianças com refluxo submetidas a osteopatia. Foram utilizadas técnicas suaves de liberação do diafragma, mobilizações da coluna torácica e manipulação gástrica indireta. O estudo relatou redução da regurgitação e maior conforto alimentar, sem efeitos adversos.
  • Cerritelli et al. (2015): em adultos, a combinação de técnicas estruturais e viscerais mostrou potencial para reduzir a pressão intra-abdominal, favorecendo o funcionamento adequado do esfíncter esofágico inferior, mecanismo-chave no controle do refluxo.

Esses achados reforçam que a osteopatia pode ser uma estratégia complementar no manejo do refluxo, com foco em aspectos funcionais que nem sempre são contemplados pela medicina convencional.

Como a osteopatia pode ajudar: mecanismos envolvidos

Os mecanismos propostos para explicar a eficácia da osteopatia no refluxo incluem:

  • Melhora da mobilidade visceral: técnicas de liberação gástrica e manipulação do hiato esofágico podem reduzir restrições mecânicas, facilitando a função digestiva.
  • Atuação no diafragma: a normalização diafragmática contribui para o papel esfincteriano do músculo, auxiliando na contenção do conteúdo gástrico.
  • Regulação autonômica: técnicas craniossacrais e estruturais influenciam a atividade simpática e parassimpática, regulando a motilidade gastrointestinal.
  • Redução da pressão intra-abdominal: intervenções posturais e manipulações suaves ajudam a redistribuir tensões e a diminuir a sobrecarga sobre o esfíncter esofágico inferior.

Discussão ampliada: evidência e cautela

Apesar dos resultados encorajadores, os estudos ainda apresentam pequenos tamanhos amostrais e metodologias variadas, o que limita a força das conclusões. Revisões sistemáticas alertam que a osteopatia não deve substituir tratamentos convencionais, mas pode desempenhar um papel valioso como abordagem complementar.

Pesquisadores como Cerritelli e colaboradores destacam ainda que parte do efeito positivo pode estar associado à relação terapêutica, à escuta ativa e à redução do estresse, elementos intrínsecos ao cuidado osteopático.

Portanto, a mensagem central é clara: a osteopatia pode contribuir no manejo do refluxo, mas deve ser integrada a um plano multidisciplinar, em conjunto com recomendações médicas e nutricionais.

Aplicabilidade clínica

Para fisioterapeutas e osteopatas, os achados oferecem insights práticos:

  • Avaliar a função respiratória e diafragmática em pacientes com refluxo;
  • Aplicar técnicas de liberação do diafragma e mobilidade gástrica de forma suave;
  • Utilizar manipulações da coluna torácica e costal para favorecer a função respiratória e digestiva;
  • Integrar técnicas craniossacrais para potencializar a regulação autonômica;
  • Trabalhar de forma interdisciplinar, junto a médicos e nutricionistas.

Conclusão

A osteopatia desponta como uma aliada no cuidado de pacientes com refluxo gastroesofágico, oferecendo técnicas que buscam restaurar a mobilidade visceral, favorecer o equilíbrio autonômico e reduzir a sobrecarga mecânica sobre o esôfago.

Embora sejam necessários estudos mais robustos para consolidar essas evidências, a integração da osteopatia como terapia complementar pode ampliar as possibilidades de cuidado, melhorar a qualidade de vida dos pacientes e fortalecer a prática clínica baseada em evidências.

Referências

  1. Gamberini J, et al. Osteopathic visceral treatment in patients with gastroesophageal reflux disease: a randomized clinical trial. Complement Ther Med. 2020;49:102350.
  2. Posadzki P, Ernst E. Osteopathy for gastrointestinal disorders: a systematic review of randomized controlled trials. Medicina (Kaunas). 2013;49(6):e1–8.
  3. Cerritelli F, Esteves J, Van Dun P, et al. The role of osteopathy in the management of gastrointestinal symptoms: an evidence-based perspective. Complement Ther Med. 2015;23(5):701–8.
  4. Bordoni B, Simonelli M. Visceral osteopathy and its effects on digestive disorders: current perspectives. J Evid Based Integr Med. 2018;23:1–6.
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